Vício liberado
Novas experiências nos paísesricos reacendem debate sobre
legalização de entorpecentes
AFP | AP |
Em Sydney, viciados usavam heroína em salas cedidas por uma igreja evangélica (à esq.). Há dois meses, o governo abriu centros (à dir.) para que eles injetem a droga sob supervisão médica |
Na Austrália, há pouco mais de dois meses, o governo autorizou a abertura de salas especiais para viciados em heroína, nas quais o usuário pode injetar a droga sob supervisão médica. Desde 1999, muitos dependentes já utilizavam abertamente recintos cedidos por uma igreja evangélica em Sydney para se drogar. Espanha e Alemanha desenvolvem programas semelhantes. Em Portugal, uma nova lei, que vigora desde o primeiro dia deste mês, liberou o consumo de qualquer tipo de entorpecente. As prisões foram suspensas e, no máximo, os usuários recebem uma multa e são encaminhados a tratamento psicológico. "As políticas tradicionais de proibição foram incapazes de controlar o consumo, e a criminalidade aumentou", justifica o presidente português, Jorge Sampaio. "É hora de tentar algo novo." A revista inglesaThe Economist, porta-voz do conservadorismo esclarecido, defende a descriminação das drogas sob o argumento de que não faz sentido gastar tempo e dinheiro caçando usuários e traficantes, visto que a proibição fracassou.
Apesar dessas opiniões de peso, a liberação das drogas está longe de usufruir aceitação universal. A principal objeção de quem se opõe é que ela permitiria que milhões de pessoas se tornassem viciadas. Nesse aspecto, está-se em terreno pantanoso, pois ainda não se conhece com exatidão o mecanismo psicológico e físico que leva à dependência de determinada substância. As experiências mostram como é difícil lidar com dependentes de drogas pesadas. Em Zurique, na Suíça, a área da estação ferroviária de Platzspitz foi transformada em território livre para usuários de drogas injetáveis. Graças ao confinamento, o governo acreditava que a cidade ficaria livre da visão de viciados espalhados por vários locais. O efeito foi exatamente o inverso. Zurique se tornou ponto de encontro de drogados de toda a Europa, e o consumo de heroína aumentou. Seis anos depois, em 1992, o governo pôs fim à experiência.
O grande desafio da política de liberação de drogas tem sido até agora o aumento do narcotráfico. A Holanda foi o primeiro país a permitir o uso de maconha, em 1976, ainda que restrito a bares especiais e só para maiores de 18 anos. A tolerância teve sucesso em tirar os consumidores da clandestinidade, mas não surtiu o mesmo efeito no tráfico. Metade dos crimes cometidos no país são ligados aos entorpecentes, e o número de presos triplicou nos últimos dez anos. A maioria das pessoas que defendem a descriminação está defendendo apenas a maconha. Isso porque o dano físico e psicológico varia de droga para droga – e o da maconha é considerado mais brando. De acordo com o Instituto para Estudos da Dependência de Drogas, de Londres, os opiáceos (como a heroína) matam 1,5% de seus usuários a cada ano. Os partidários da liberação gostam de ressaltar que esse número é apenas três vezes a mortalidade causada pelo álcool, que é vendido sem restrições apesar de também criar dependência.
Mesmo a respeito de drogas ditas leves, como a maconha, não há consenso científico nem político. No Canadá, o governo aprovou a liberação da maconha para uso medicinal, mas a Associação Médica Canadense discorda da atitude, alegando que a decisão foi precipitada porque não há estudos conclusivos sobre seus efeitos colaterais. O governo do Canadá sofre a pressão de 1,5 milhão de usuários, que querem a maconha liberada para uso privado. Mas a lei, por enquanto, é restrita a quem sofre de doenças graves, como Aids, artrite, esclerose múltipla e câncer. Em alguns Estados americanos, a maconha é usada no tratamento de glaucoma – ela ajudaria a diminuir a pressão no olho, reduzindo a dor. Há dois meses, contudo, a Suprema Corte dos Estados Unidos deu aval à proibição de cultivo e distribuição do produto.
A polêmica ganha alguns decibéis porque muitos acreditam que a maconha é o primeiro passo para entorpecentes mais pesados. O economista Peter Reuter, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, se opõe à liberação porque teme a explosão do consumo. Mas é também autor de um estudo que contradiz a tese de que a maconha é a porta de entrada para coisas piores. "Em Amsterdã, como nos Estados Unidos, quase todos os usuários de drogas pesadas já fumaram maconha, mas a vasta maioria dos usuários de maconha não consome drogas pesadas", disse a VEJA. A maior cidade holandesa contava com 10.000 viciados em heroína em 1980, número que caiu para a metade nesse período de liberdade para consumir maconha. Com mais de 1 500 bares vendendo livremente a erva há 25 anos, a Holanda tem números surpreendentes: apenas 5% da população fuma maconha, contra 9% nos Estados Unidos e na Inglaterra, 8% na Espanha e 7% no Canadá, onde há leis mais rigorosas.
fonte : veja
colaboração : Maria Glêcineide - Pedagoga
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